domingo, 4 de dezembro de 2011

Um pregador do século XVIII selou a reviravolta

Jonathan Edwards chegou em minha vida nessa época, com a confirmação mais poderosa dessa verdade que eu já tinha visto fora da Bíblia. Era poderosa porque ele mostrava que ela estava na Bíblia. À medida que escrevo, no ano de 2003, estamos comemorando o seu 300º aniversário. Ele era pastor e teólogo na Nova Inglaterra. Ele se tornou para mim o mais importante mestre morto fora da Bíblia. Ninguém fora da Escritura moldou minha visão de Deus e da vida cristã mais do que Jonathan Edwards.

Eu agradeço a Deus por Edwards não ter desperdiçado a sua vida. Ela terminou abruptamente em função de complicações resultantes de uma vacina contra varíola, quando ele estava com 54 anos. Mas ele viveu bem. A sua vida é inspiradora por causa do seu zelo em não desperdiçá-la e por conta da sua paixão pela supremacia de Deus. Veja algumas das resoluções que ele escreveu, quando ele estava com 20 e poucos anos, para intensificar a sua vida para a glória de Deus.

  • Resolução nº 5: "Resolvo nunca perder um segundo do meu tempo; mas tornar cada momento o mais proveitoso possível."
  • Resolução nº 6: "Resolvo viver com todas as minhas forças, enquanto eu viver."
  • Resolução nº 17: "Resolvo que vou viver da maneira que eu devo desejar de ter vivido quando eu estiver próximo de morrer."
  • Resolução nº 22: "Resolvo empenhar-me em obter para mim tanta felicidade, no outro mundo, quanto eu puder, com todo o meu poder, força, vigor e veemência, até violência, que eu seja capaz ou que possa vir a exercer, de todos os modos que possam ser imaginados."
Essa última resolução (nº 22) pode nos chocar como sendo flagrantemente egocêntrica, mesmo perigosa, se nós não entendermos a profunda conexão na mente de Edward entre a glória de Deus e a felicidade dos cristãos. A violência que ele tinha em mente era o que Jesus quis dizer quando ele disse essencialmente "É melhor que você corte um de seus olhos fora para vencer o pecado e ir para o céu do que tomar parte com o pecado e ir para o inferno" (Mateus 5:29). E, com relação a buscar a sua própria felicidade, tenha em mente que Edwards estava absolutamente convicto de que ser feliz em Deus era o modo como podíamos glorificá-Lo. Essa era a razão pela qual fomos criados. Deleitar-se em Deus não era para ele uma mera preferência ou opção de vida; era o nosso alegre dever e deveria ser a única paixão de nossas vidas. Portanto, resolver maximizar a sua felicidade em Deus era resolver mostrá-Lo mais glorioso do que todas as outras fontes de felicidade. Buscar felicidade em Deus e glorificar a Deus seriam a mesma coisa.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Um vislumbre de por que eu e todas as coisas exististimos

Disciplina após disciplina, as peças eram colocadas no lugar. Que presente aqueles três anos de seminário foram! Na última aula com o Dr. Fuller, chamada "A Unidade da Bíblia"* (que também é um livro com o mesmo título), a bandeira unificadora foi içada sobre a Bíblia inteira.
Deus ordenou uma história redentora cuja sequência de fatos demonstra a Sua glória por completo, para que, no final, o maior número possível de pessoas tivessem os antecedentes históricos necessários para engendrar o mais fervente amor por Deus. ... Aquilo que Deus está fazendo durante todo o curso da história redentora é anunciar a Sua misericórdia de tal modo que o maior número de pessoas irá, através da eternidade, deleitar-se nele de todo o seu coração, força e mente. ... Quando a terra da nova criação for preenchida com tais pessoas, então o propósito de Deus em anunciar a Sua misericórdia terá sido atingido. ... Todos os eventos da história redentora e seu significado, tais como registrados na Bíblia, compõem uma unidade em que eles se juntam para trazer à tona esse objetivo.
Contidas nessas afirmações estavam as sementes do meu futuro. A paixão motriz da minha vida estava enraizada aqui. Uma das sementes estava na palavra "glória" - o objetivo de Deus na história era de "demonstrar a Sua glória por completo". Outra semente estava na palavra "deleite" - o objetivo de Deus era que o Seu povo "deleitasse nele de todo o seu coração". A paixão da minha vida tem sido entender, e viver, e ensinar, e pregar como esses dois objetivos de Deus se relacionam um com o outro - de fato, como eles não são dois, mas um só.

Estava ficando cada vez mais claro que se eu quisesse chegar ao fim da minha vida e não dizer "Eu a desperdicei!", eu precisaria me voltar para o propósito último de Deus e me juntar a Ele. Se a minha vida tivesse que ter uma paixão única, totalmente satisfatória e unificadora, ela teria que ser a paixão de Deus. E, se Daniel Fuller estava certo, a paixão de Deus era a demonstração da Sua glória e o deleite do meu coração.

Toda a minha vida, a partir dessa descoberta, tem sido experimentar, e examinar, e explicar essa verdade. Ela tem se tornado mais clara, e mais certa, e mais exigente com os anos. Está cada vez mais claro que Deus sendo glorificado e Deus sendo desfrutado não são categorias separadas. Elas se relacionam, uma com a outra, não como frutas e animais, mas como frutas e maçãs. Maçãs são um tipo de fruta. Desfrutar Deus de forma suprema é um modo de glorificá-Lo. Desfrutar Deus faz com que o Seu valor se mostre de forma suprema.

* The Unity of the Bible

Aprendendo a "rigorosa disciplina" de ler a Bíblia

Minha dívida nesse ponto com Daniel Fuller é incalculável. Ele ensinava hermenêutica - a ciência de como interpretar a Bíblia. Ele não apenas me apresentou a E. D. Hirsch e me forçou a lê-lo com rigor, mas também me ensinou como ler a Bíblia com o que Matthew Arnold chamava "rigorosa disciplina". Ele me mostrou o óbvio: que os versículos da Bíblia não são pérolas soltas, mas elos de uma corrente. Os escritores desenvolveram padrões unificados de pensamento. Eles raciocinaram. "Venham, vamos refletir juntos, diz o Senhor" (Isaías 1:18). Isso significava que, em cada parágrafo da Escritura, a pessoa deveria perguntar como cada parte se relacionava com as outras partes de forma a dizer algo coerente. Então os parágrafos deveriam estar relacionados uns aos outros da mesma maneira. E assim os capítulos, os livros e assim por diante, até que a unidade da Bíblia ser achada em seus próprios termos.

Eu senti como se o pequeno caminho marrom da minha vida tivesse adentrado um pomar, uma vinha, um jardim com frutos a serem apanhados por toda parte. Frutos impressionantes, emocionantes e capazes de mudar uma vida inteira. Eu nunca havia visto tanta verdade e tanta beleza condensada em uma esfera tão pequena. Naquela época, a Bíblia parecia para mim, e ainda parece hoje, inexaurível. Era com isso que eu havia sonhado no centro de saúde, com mononucleose, quando Deus chamou-me para o ministério da Palavra. Agora a questão era: qual é o Ponto, o Propósito, o Foco, a Essência desse lindo vislumbre de Verdade divina?

A morte de Deus e a morte do significado


As coisas estavam fazendo sentido. Em uma fria tarde de outubro, lá em 1965, no Wheaton College, num canto do segundo andar da biblioteca, eu peguei a última edição da revista Time e li a reportagem de capa: "Deus está morto?"* (22 de outubro de 1965). "Ateístas cristãos" como Thomas J. J. Altizer respondiam, sim. Não era novidade. Friedrich Nietzsche havia dado o atestado de morte cem anos antes: "Onde está Deus? ... Eu vou te dizer. Nós o matamos - você e eu. Todos nós somos os seus assassinos. ... Deus está morto. Deus permanece morto e nós o matamos." Foi uma confissão que lhe custou caro: Nietzsche passou os seus últimos onze anos de vida sob estado semi-catatônico e morreu em 1900.

Mas os corajosos "ateístas cristãos" dos anos 60 não calculavam os custos de serem os substitutos de Deus como super-homens (como Nietzsche os chamava). A bebida forte do Existencialismo soltava a língua daqueles teólogos criativos, como os homens cinco fileiras atrás no avião, depois de terem bebido cervejas demais. Assim, a asserção suicida de que Deus está morto fora proferida novamente. E quando Deus morreu, o significado dos textos morreram com ele. Se a base da realidade objetiva morre, então toda escrita e fala a respeito da realidade objetiva também morre. Elas andam juntas.

Assim, minha libertação, no final dos anos 60, da loucura que era matar Deus, levou-me naturalmente, no início dos anos 70, à minha libertação do vazio hipócrita do subjetivismo hermenêutico - a noção dúbia de que não existe significado objetivo em afirmação alguma (exceto nesta última). Agora eu estava pronto para o verdadeiro trabalho do seminário: encontrar o que a Bíblia dizia sobre como não desperdiçar a minha vida.

* "Is God Dead?"

Defendendo o brilho do sol do meio-dia


Nesse pântano de subjetividade apareceu um professor de Literatura da Universidade de Virginia, E. D. Hirsch. Ler o seu livro "Validade na Interpretação"*, durante os meus anos de seminário, foi como encontrar, de súbito, uma rocha sob os meus pés, na areia movediça dos conceitos contemporâneos sobre significado. Como a maioria dos guias que Deus enviou ao longo do meu caminho, Hirsch defendia o óbvio. Sim, ele argumentava, existe um significado original que o escritor tinha em sua mente quando ele escreveu. E sim, uma interpretação válida busca essa intenção no texto e dá boas razões para afirmar que a vê. Isso parecia tão óbvio para mim quanto o sol do meio-dia. Era a hipótese que todos assumiam como verdadeira, no dia-a-dia, quando falavam ou escreviam.

Talvez, ainda mais importante, isso parecia educado. Nenhum de nós quer que nossos escritos, e nossas cartas, e nossos contratos sejam interpretados de uma maneira diferente da qual os pensamos. Portanto, a educação básica, ou a Regra de Ouro, requer que leiamos os outros da maneira que gostaríamos que fôssemos lidos. Parecia-me que tanta discussão filosófica sobre o significado era pura hipocrisia: na universidade, eu destruo pouco a pouco o significado objetivo, mas em casa (e no banco) eu insisto em sua existência. Eu não queria fazer parte desse jogo. Parecia uma vida completamente desperdiçada. Se não existe interpretação válida alguma baseada em realidade objetiva, imutável, significado original, então todo o meu ser dizia "Vamos comer, beber e nos alegrar. Mas não vamos levar a sério essa educação que recebemos, de jeito nenhum." 

* "Validity in Interpretation"

Aprendendo a não perder a cabeça

A batalha para aprender o óbvio continuava. O novo golpe de realidade  - o fato de que existe uma realidade real objetiva exterior a nós mesmos que pode ser verdadeiramente conhecida - transformou o estudo da Bíblia em um pântano de subjetividade. Isso podia ser visto na igreja, onde pequenos grupos compartilhavam suas impressões subjetivas sobre o que textos da Bíblia significavam "para mim" sem uma âncora em qualquer significado original que fosse.

Se há apenas uma vida a ser vivida neste mundo, e se ela não deve ser desperdiçada, nada parecia mais importante para mim do que descobrir o que Deus realmente queria dizer na Bíblia, já que ele inspirara homens para escrevê-la. Se isso estava ao alcance de todos, então ninguém podia dizer ao certo qual vida vale a pena e qual vida é desperdiçada. Eu estava aturdido com os joguetes do mundo erudito, com seus autores usando todos os seus poderes intelectuais para anular o que eles mesmo escreviam! Ou seja, eles expressavam teorias do significado que argumentavam que não existe um único, válido significado num texto. Pessoas comuns lendo esse livro irão (eu espero) achar isso inacreditável. Vocês não estão errados. De fato, é inacreditável. Mas, até hoje, a verdade é que professores bem pagos e bem nutridos recebem o dinheiro de mensalidades e impostos para dizer que "já que a literatura não transmite com precisão a realidade, a interpretação literária não pode transmitir com precisão a realidade que é a literatura".

Em outras palavras, já que nós não conseguimos conhecer a realidade objetiva exterior a nós mesmos, tampouco pode haver significado objetivo naquilo que escrevemos. Portanto, interpretar não significa tentar achar algo objetivo que o autor tenha colocado no texto, mas simplesmente significa que nós expressamos ideias que adentram nossa cabeça à medida que lemos. O que não faz diferença alguma, porque, quando outros lerem aquilo que escrevemos, eles tampouco terão acesso à nossa intenção. Não passa de um jogo. Só que é sinistro, porque todos esses eruditos (e membros de pequenos grupos) insistem que suas próprias cartas de amor e contratos devem ser medidos por uma régua: o que eles pretendiam dizer. Ninguém que tenha criativamente ouvido "sim", quando, na verdade, eu escrevi "não", será levado a sério por um banco ou por um conselheiro matrimonial.

E então o Existencialismo veio fazer morada na Bíblia: Existência precede essência. Ou seja, eu não encontro significado - eu o crio. A Bíblia é uma massa de argila informe e eu sou o oleiro. Interpretação é criação. Minha existência enquanto indivíduo cria a "essência" do objeto. Não ria. Eles falavam sério. Eles ainda falam. Hoje em dia, apenas os nomes são outros.

Reviravolta - A beleza de Cristo, minha alegria

Em 1968, eu não tinha ideia do que significaria para mim ser um ministro da Palavra. Ser pastor estava tão distante das minhas expectativas quanto ser esposa de pastor estava para as de Noël. E daí? Significaria ser um professor, um missionário, um escritor, talvez um professor de literatura com boa teologia? Tudo o que eu sabia era que a definitiva Realidade havia subitamente se concentrado para mim na Palavra de Deus. O grande Ponto, e Propósito, e Essência que eu tanto ansiava estava agora conectado indissoluvelmente com a Bíblia. O mandato era claro: "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" (2 Timóteo 2:15). Para mim, aquilo significava seminário, com um foco em entender e manejar bem a Bíblia.

Eu te abençoo, mononucleose, pela minha vida



No outono de 1966, Deus se aproximava com um caminho cada vez mais estreito para a minha vida. Quando Ele fez Sua jogada seguinte e decisiva, Noël perguntava-se por onde eu andava. O semestre do outono havia começado e eu não aparecera para as aulas, nem na capela. Finalmente ela me achou, estirado com mononucleose em um leito do centro de saúde, onde fiquei por três semanas. O plano de vida do qual eu estava tão certo quatro semanas antes agora escorregava por entre as minhas mãos febris.

Em maio eu sentira uma feliz confiança de que minha vida seria mais proveitosa como médico. Eu amava biologia; eu amava a ideia de curar pessoas. Eu amava saber, afinal, o que eu estava fazendo na faculdade. Então eu rapidamente escolhi química geral durante o verão, para que eu pudesse pegar química orgânica durante aquele outono.

Agora com mononucleose, eu havia perdido três semanas de química orgânica. Não havia como eu me recuperar na matéria. Mas, ainda mais importante, Harold John Ockenga, então pastor da Igreja Park Street em Boston, estava pregando na capela todas as manhãs durante a semana de ênfase espiritual. Eu estava ouvindo na WETN, a estação de rádio da faculdade. Eu jamais havia ouvido uma exposição das Escrituras como aquela. De repente, toda a gloriosa objetividade da Realidade centralizou-se para mim na Palavra de Deus. Eu estava ali sentindo como se eu tivesse acordado de um sonho e sabia, agora que estava acordado, o que eu devia fazer.

Noël veio me visitar e eu disse: "O que você pensaria se eu não seguisse uma carreira médica, mas, ao invés disso, fosse para o seminário?" Assim como todas as outras vezes em que eu fiz uma pergunta como aquela ao longo de todos esses anos, a resposta foi: "Se é para onde Deus está te guiando, é para onde eu irei." A partir daquele momento, eu nunca duvidei de que o meu chamado na vida é para ser um ministro da Palavra de Deus.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Uma noiva é um fato teimosamente objetivo



Houve uma outra força que solidificou a minha crença firme na inflexível existência da realidade objetiva. Seu nome era Noël Henry. Eu me apaixonei por ela no verão de 1966. Cedo demais, provavelmente. Mas acabamos bem; eu ainda a amo. Nada traz mais sobriedade à imaginação filosófica errante do que a ideia de ter uma esposa e filhos para sustentar.

Nós nos casamos em Dezembro de 1968. É uma boa ideia a pessoa se pensar com relação a pessoas reais. A partir daquele momento, cada pensamento foi um pensamento no relacionamento. Nada é meramente uma ideia, mas uma ideia que traz consigo a minha esposa e, logo em seguida, meus cinco filhos. Eu agradeço a Deus pela alegoria de Cristo e a igreja, a qual eu tenho sido compelido a viver durante esses trinta e cinco anos. Há lições na vida - na vida não desperdiçada - que eu provavelmente nunca teria aprendido sem esse relacionamento (assim como há lições na vida de solteiro vitalício que provavelmente não poderão ser aprendidas de outra maneira).

C. S. Lewis - O homem que me ensinou a enxergar


De fato, eu agradeço a Deus por professores e escritores que devotaram energias criativas tremendas para fazer credível a existência de árvores, e água, e almas, e amor, e Deus. C. S. Lewis, que morreu no mesmo dia em que morreu John F. Kennedy em 1963 e que lecionava Inglês em Oxford, apareceu no horizonte do meu pequeno caminho marrom em 1964, com um brilho tão ardente que é difícil deixar de falar sobre o tamanho impacto que ele teve em minha vida.

Alguém me apresentou ao Lewis no primeiro ano do Ensino Médio (antigo 2º Grau), com o livro "Cristianismo Puro e Simples"*. Nos cinco ou seis anos que se seguiram, eu quase nunca estava sem um livro do Lewis por perto. Eu acho que sem a influência dele, eu não teria vivido a minha vida com tanta alegria ou utilidade como vivi. Há razões para isso.

Ele me tornou alguém cauteloso quanto ao esnobismo cronológico. Isto é, ele me mostrou que o novo não é virtude e que o velho não é vício. Verdade, e beleza, e bondade não são determinadas por quando elas existem. Nada é inferior por ser velho e nada tem valor em si por ser moderno. Isso me libertou da tirania da novidade e abriu para mim a sabedoria das eras. Até hoje, eu recebo a maior parte da minha nutrição espiritual dos séculos passados. Eu agradeço a Deus pela demonstração convincente do óbvio feita por Lewis.

Ele me demonstrou e me convenceu de que lógica rigorosa, precisa, penetrante não se opõe a sentimento profundo, comovente e imaginação vívida, alegre - até mesmo divertida. Ele era um "romântico racionalista". Ele combinava coisas que quase todo mundo hoje em dia presume serem mutuamente exclusivas: racionalismo e poesia, lógica fria e sentimento quente, prosa disciplinada e imaginação livre. Esmagando esses antigos estereótipos, ele me libertou para pensar muito e escrever poesia, para argumentar a favor da ressurreição e compor hinos para Cristo, para destruir um argumento e abraçar um amigo, para pedir uma definição e usar uma metáfora.

Lewis deu-me um senso intenso de "realidade" das coisas. A preciosidade disso é difícil de transmitir. Acordar de manhã e estar ciente da solidez da matéria, do calor dos raios do sol, do som do relógio em seu tique-taque, o puro existir das coisas. Ele me ajudou a me tornar vivo para a vida. Ele me ajudou a enxergar o que há no mundo - coisas que, se nós não tivéssemos, nós pagaríamos um milhão de reais para ter, mas, uma vez as tendo, nós as ignoramos. Ele me tornou mais vivo para a beleza. Ele pôs minha alma atenta para o fato de que existem maravilhas diárias que despertariam louvor se apenas eu abrisse os meus olhos. Ele sacudiu minha alma que cochilava e jogou a água gelada da realidade na minha cara, de modo que vida, e Deus, e céu, e inferno invadiram o meu mundo com glória e horror.

Ele expôs a oposição intelectual sofisticada da existência objetiva e do valor objetivo à loucura nua que ela era. O rei filosófico da minha geração não vestia roupa alguma e o escritor de livros para crianças de Oxford tinha a coragem de dizê-lo.

Você não pode seguir "vendo através" das coisas para sempre. O objetivo de olhar através de alguma coisa é o de ver algo através dela. É bom que a janela seja transparente, porque a rua ou o jardim do outro lado são opacos. E se você visse através do jardim também? Não há sentido em tentar "ver através" de primeiros princípios. Se você vê através de tudo, então tudo é transparente. Mas um mundo completamente transparente é um mundo invisível. "Ver através" de todas as coisas é o mesmo que não ver.
Oh, quanto mais poderia ser dito sobre o mundo como C. S. Lewis o enxergava e sobre o jeito que ele falava. Ele tem suas falhas, algumas delas sérias. Mas eu nunca cessarei de agradecer a Deus por esse homem notável que apareceu no meu caminho no momento certo.

* "Mere Christianity"

Francis Schaeffer - O homem de cabelos longos


Mas Deus estava graciosamente dispondo avisos convincentes ao longo do caminho. No outono de 1965, Francis Schaeffer apresentou uma semana de palestras no Wheaton College, palestras que em 1968 se tornariam o livro "O Deus Que Está Aí"*. O título mostra a esplêndida simplicidade da tese. Deus está aí. Não aqui, definido e formatado pelos meus próprios desejos. Deus está por aí. Objetivo. Realidade absoluta. Tudo aquilo que para nós se assemelha a realidade é dependente de Deus. Existe criação e Criador, nada mais. E a criação recebe todo o seu significado e propósito de Deus.

Aqui estava uma placa absolutamente convincente no meu caminho. Permaneça na estrada da verdade objetiva. Esse será o caminho para que você evite desperdiçar a sua vida. Permaneça na estrada que o seu pai e ardente evangelista está. Não abandone a placa da parede da sua cozinha. Aqui estava a confirmação intelectual de peso de que a vida seria desperdiçada nos gramados do existencialismo. Mantenha-se no caminho. Existe Verdade. Existe um Ponto, e Propósito, e Essência em tudo isso. Continue buscando. Você vai achá-la.

Eu suponho que não há por que lamentar que a pessoa passe seus anos de faculdade aprendendo o óbvio - que existe Verdade, que existe ser objetivo e valor objetivo. Como um peixe indo para a escola para aprender que existe água; ou um pássaro, que existe ar; ou uma minhoca, que existe barro. Mas parece que, nos últimos duzentos anos, mais ou menos, esse tem sido o ponto principal da boa educação. E o seu oposto é a essência da má educação. Portanto, eu não reclamo dos anos que passei aprendendo o óbvio.

* "The God Who Is There"

"The answer is blowing in the wind"


Bob Dylan estava rascunhando músicas com mensagens oblíquas de esperança que explodiram nesse cenário, precisamente porque elas sugeriam uma Realidade que não nos deixaria esperando para sempre. As coisas iriam mudar. Cedo ou tarde, o lento seria veloz e o primeiro seria o último. E não seria porque éramos mestres existenciais do nosso destino absurdo. Ela viria até nós. É isso o que nós todos sentíamos na canção "The Times They Are A-Chaging'".

A linha está desenhada,
A maldição está lançada,
O lento, agora,
Será, mais tarde, veloz.
Como o presente, agora,
Será, mais tarde, passado,
A ordem está
Rapidamente se esvaindo.
E o primeiro, agora,
Será, mais tarde, o último,
Porque os tempos estão mudando.

Deve ter exasperado os existencialistas ouvir Dylan, talvez mesmo sem saber, varrer o relativismo do "vale-tudo" com a audaciosa dupla "A resposta... A resposta" no hit esmagador "Blowin' in the Wind".

Quantas vezes um homem deve olhar para cima
Até que ele possa ver o céu?
Sim, e quantos ouvidos um homem deve ter
Até que ele possa ouvir as pessoas chorarem?
Sim, e quantas mortes serão necessárias
Para que ele saiba que gente demais já morreu?
A resposta, meu amigo, está sendo soprada no vento,
A resposta está sendo soprada no vento.

Quantas vezes alguém pode olhar para cima e não ver o céu? Existe um céu lá em cima para ser visto. Você pode olhar dez mil vezes e dizer que você não o vê. Mas isso não tem absolutamente nenhum efeito em sua existência objetiva. Ele está lá. E um dia você vai vê-lo. Quantas vezes você deve olhar para cima até que você o veja? Existe uma resposta. A resposta, A resposta, meu amigo, não é sua, para que você a invente ou a crie. Ela será decidida para você. Ela é exterior a você. Ela é real, e objetiva, e firme. Um dia você vai ouvi-la. Você não a cria. Você não a define. Ela vem até você e, cedo ou tarde, você se conforma a ela - ou se curva diante dela.

Isso é o que eu escutava na canção de Dylan e tudo em mim dizia: Sim! Existe uma Resposta com R maiúsculo. Perdê-la seria um desperdício de vida. Achá-la seria ter uma Resposta unificadora a todas as minhas perguntas.

O pequeno caminho marrom sobre a colina verde na placa da nossa cozinha traçava seu sinuoso curso - através dos anos 60 - entre as doces armadilhas da insensatez intelectual. Oh, como a minha geração parecia corajosa quando eles pisavam fora do caminho e colocavam os seus pés na armadilha! Alguns podiam até mesmo juntar coragem para se gloriar, "Eu escolhi o caminho da liberdade. Eu criei minha própria existência. Eu me livrei das velhas leis. Veja como a minha perna está machucada!"

"The Nowhere Man"


Os Beatles lançaram seu disco Rubber Soul em Dezembro de 1965 e cantaram seu existencialismo com convincente poder para a minha geração. Talvez ele estivesse o mais claro possível em "Nowhere Man", de John Lennon.

Ele é um autêntico homem de lugar nenhum
Sentado em sua terra de lugar nenhum
Fazendo todos os seus planos de lugar nenhum
Para ninguém
Não tem um ponto de vista
Não sabe para onde está indo
Ele não é um pouco parecido com você e eu?

Esses eram dias inebriantes, especialmente para estudantes universitários. E, ainda bem, Deus não estava em silêncio. Nem todo mundo abria caminho para a enganação do absurdo e à tentação do vazio heroico. Nem todos cederam aos chamados de Albert Camus e Jean-Paul Sartre. Mesmo vozes sem raízes na Verdade sabiam que deveria haver algo mais - algo exterior a nós mesmos, algo maior, e melhor, e mais digno de viver por, do que aquilo que víamos no espelho.